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Nos últimos dias, após a mortandade de peixes na Lagoa da Conceição, um nome até então desconhecido para a população ganhou notoriedade. Apontada como principal causadora da morte dos animais, a microalga Fibrocapsa japônica ainda provoca dúvidas. Para facilitar o entendimento sobre este organismo, o Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (IMA) apresenta diversas informações sobre a microalga por meio do texto a seguir elaborado pelo oceanógrafo do IMA, especialista em microalgas nocivas, Dr. Carlos Eduardo J. A. Tibiriçá.

Fibrocapsa japonica?


A Fibrocapsa japonica é uma microalga. Microalgas são organismos aquáticos fotossintetizantes microscópicos, como as plantas, que utilizam da luz e os nutrientes para crescerem (no caso, se dividirem). As microalgas são fundamentais para a vida no planeta terra, responsáveis por boa parte do oxigênio e sustentam toda a vida aquática. Contudo, entre as mais de 5.000 espécies de microalgas, algumas poucas são reconhecidas por causarem efeitos negativos aos ecossistemas ou ao homem. Essas microalgas são conhecidas como microalgas nocivas, e os eventos em que ocorre a proliferação dessas microalgas são conhecidos como florações de algas nocivas (FANs). A F. japonica é uma dessas microalgas nocivas que podem formar FANs.


A comunidade científica internacional classifica as microalgas nocivas de acordo com a forma com que elas agridem os ecossistemas ou o homem. Existem microalgas que são consideradas nocivas ao ser humano, e outras consideradas apenas nocivas à fauna aquática. A F. japonica é uma espécie considerada nociva apenas para peixes. Existem diversos relatos na literatura científica de FANs de F. japonica causando mortalidade de peixes em diferentes localidades do mundo, como Holanda, Mar Adriático, Uruguai e Japão (Lassus et al., 2017). Os mecanismos pelo qual ela mata os peixes provavelmente estão relacionados à produção de muco (que gruda nas brânquias e impede ele de respirar), ictiotoxinas (toxinas nocivas para peixes) e depreciação do oxigênio após a morte das células que começam a ser decompostas pelas bactérias (Lassus et al., 2017; Pezzolesi et al., 2010). A Fibrocapsa japonica não é considerada nociva ao ser humano pela comunidade científica internacional.


Recentemente, a F. japonica foi encontrada em grandes concentrações na Lagoa da Conceição, em Florianópolis, Santa Catarina. As possíveis consequências dessa floração foram a mortalidade de peixes e outros animais da fauna aquática, além da depreciação do oxigênio dissolvido na água. Tal fato está de acordo com outros eventos nocivos ocorridos no mundo envolvendo essa microalga, e não existem metodologias definidas para eliminar a floração ou a microalga da lagoa - a F. japonica faz parte do ecossistema da Lagoa da Conceição. Contudo, eventos de floração de algas nocivas são favorecidos, e tendem a ser cada vez mais frequentes, em ambientes eutrofizados, isto é, ricos em nutrientes, geralmente, de origem humana.


O processo de eutrofização da Lagoa da Conceição é um fato conhecido na comunidade científica e já foi bem explicado em outras ocasiões. Pelo que se conhece da ecologia de microalgas nocivas, se o processo de eutrofização não for revertido, eventos como o que ocorreu recentemente serão cada vez mais frequentes, quer pelo crescimento de F. japonica, quer pelo crescimento de outras microalgas nocivas que podem estar presentes no local.


A F. japonica foi descrita originalmente em 1973, nas águas do Japão, sendo a única espécie conhecida do gênero Fibrocapsa. No entanto, como a grande maioria das espécies de microalgas marinhas, a distribuição no planeta é extremamente ampla, já tendo sido registrada também na América do Norte, América do Sul, Europa e Oceania. Essa microalga inclusive já foi citada anteriormente para o litoral de Santa Catarina (Branco et al., 2019). A F. japonica está presente na Lagoa da Conceição provavelmente há muito tempo, mas sua ocorrência não havia sido notada antes por ausência de estudos mais detalhados acerca das espécies potencialmente nocivas daquele local.


Cabe ressaltar que essa não é a única espécie potencialmente nociva existente na lagoa, bem como é importante entender que sempre haverá microalgas potencialmente nocivas em praticamente qualquer ecossistema costeiro – a simples presença de uma microalga nociva não quer dizer que haverá efeitos para as pessoas ou animais que estiverem no local.


Portanto, pode-se dizer que F. japonica é uma microalga distribuída no mundo todo, sua ocorrência na Lagoa da Conceição não surpreende, e provavelmente ela está ali há muitas décadas. A floração dessa microalga pode causar efeitos negativos a peixes e outros organismos aquáticos, mudança na cor da água e odor desagradável, mas a F. japonica não é considerada nociva ao ser humano. As florações dessa microalga e de outras espécies nocivas são favorecidas pelo processo de eutrofização, sendo importante buscar reverter o processo pelo qual a Lagoa da Conceição está passando para minimizar a ocorrência desse tipo de evento nocivo.

Autor:
Dr. Carlos Eduardo J. A. Tibiriçá
Oceanógrafo, servidor do IMA/SC, especialista em microalgas nocivas

Referências:
Branco, S., et al. 2019. Morphological and genetic characterization of bloom-forming Raphidophyceae from Brazilian coast. Phycological Research, 2019. doi: 10.1111/pre.12377.
Lassus, P., Chomérat, N., Hess, P. & Nézan, E. 2017. Toxic and harmful microalgae of the World Ocean). pp. 1-523, 54 pls. Dinamarca: ISSHA/IOC - UNESCO. 2017.
Pezzolesi, L., et al. 2010. Toxicity evaluation of Fibrocapsa japonica from the Northern Adriatic Sea through a chemical and toxicological approach. Harmful Algae, v. 9, n. 5, p. 504-514, 2010.